Whitechapel, Londres 9 de Novembro de 1988
Passa das onze da noite nesta avenida gelada
Caminho agora sem bebida e não anseio a madrugada
De mãos dadas com o diabo na direcção do precipício
Mendigo sem trabalho sem abrigo e sem ofício
Fora do rebanho, sou um estranho como toda a gente diz
Miserável infeliz nunca tive pais nem país
Tenho desgraça e pesadelo como o gelo eu sou frio
Num vazio medonho apenas disponho de um sonho doentio
Perdido num pensamento de sofrimento sem sentido
Sinto um denso perfume de um doce intenso e distinto
É um bela donzela que ilumina esta escura esquina
De cabelos claros como o mel e uma pele de menina
Fitei o seu olhar da cor do mar pelo qual me apaixonei
Feliz ela sorri e diz que o seu nome é Mary Jane
Troca amor por dinheiro a sua profissão é o pecado
Um crime indelicado mas sublime como o seu decote rasgado
Então eu abro o jogo e ofereço um preço pelo seu corpo
Sorridente dá-me a mão e diz-me que brinco com o fogo
Subimos as escadas de mãos dadas em direcção à sua casa
Enquanto consumo o seu perfume o meu sangue fica em brasa
Não se ouve uma palavra nem se gasta um pensamento
Sinto-me perdido como o seu vestido caído em sofrimento
Refém de um impulso eu expulso toda a minha serenidade
Os seus gritos de prazer rasgam a minha sobriedade
Entrelaço o meu braço violentamente no seu corpo
Enquanto amordaço os seus lábios e lhe mordo o pescoço
Ouço inconstante a sua respiração ofegante de desejo
Mas neste instante eu já não sinto mais o seu beijo
O sangue ferve faminto e sinto-me fora de mim
Enrolo agora a sua garganta nos lençóis de cetim
Vejo espelhada a agonia na fobia da sua cara
Enquanto traço o seu corpo ao compasso da faca afiada
Subitamente o barulho ensurdecedor pára
Sentado no escuro ouço o silêncio e a calma
Sou um monstro porque não demonstro nenhum arrependimento
Um poeta que escreve com uma lâmina um poema sangrento
Há quem mate a paixão do amor com a traição
É inevitável e imensurável como a nossa imperfeição
Então eu imortalizo o sentimento neste momento de perfeição
Porque haverá sempre Inverno por muito quente que seja o Verão
.Desalinhado
Espelho meu, espelho meu...
Dizem que reflectes com sinceridade a realidade da mudança
À medida que o tempo passa e nos abraça na sua dança
A verdade é que não vês e só crês numa ilusão
Porque a transformação que vem da mudança só se vê com o coração
O que espelhas é um aspecto incorrecto sem sentimento
A casca gasta de um fruto que apodrece por dentro
À medida que crescemos e seguimos por medonhos caminhos
Esquecemos sonhos e sorrisos e procuramos dinheiro ao invés de amigos
Tornamo-nos frios por viver obcecados com os erros cometidos
É verdade que esquece-los e não aprender é estar a repeti-los
Mas ter rancor e ser distante é desistir de sentir Amor
Ser sonhador é não ter medo de cair e aprender com a dor
Mas este deserto é incerto não há espaço para um abraço
Um desejo de um beijo, o sonho é vencido pelo cansaço
Mas eu não desisto e prossigo neste caminho cinzento
Sorrio quando quero gritar, fico calmo quando estou tenso
Então hoje espelho meu eu viro-te prá janela
E tu tornas essa triste paisagem numa bela
Nesse teu disperso reflexo onde a realidade se perdeu
Eu imagino o Mundo perfeito e torno-o meu
...Desalinhado.
Partilhamos a noite fria e enquanto o tempo passa
Ela abraça-me com poesia escrita por uma devassa
Ela faz da noite dia enquanto diz que me ama
Mas na verdade é só mentira essa puta só me engana
Lembramos atentos os sentimentos de passados momentos
Divagamos ao sabor das minhas memórias
Sei que ela já leu todos os meus pensamentos
Sei que ela conhece de cor todas as minhas histórias
Mas é infelicidade a verdade da nossa cumplicidade
É cinzento o mar de arrependimento onde sempre navega
Agora quando ela vai embora eu não sinto saudade
Porque não passa de dor o amor que ela me entrega
Mas quando ela voltar e pedir para entrar
Eu não vou conseguir resistir a ceder
Porque no fundo por muito que me queira enganar
Sinto que já errei demais para a conseguir esquecer
Desalinhado
Qual é coisa qual é ela
Anacrónica e odiada
Tem rosto e tem um corpo
E apesar de ser filha bastarda
Tem uma irmã que é o seu oposto
Qual é coisa qual é ela
Que imortalizou o amor dos mais apaixonados
Que é vendida à grama e injectada por drogados
Vive em becos sem saída de madrugadas sem brilho
Ela segura-te a mão quando puxas o gatilho
Ela sentou-se à mesa com os maiores ditadores
Ela pintou o Mundo de preto e encheu-o de flores
Ela caminha ao teu lado mas é omnipresente
Qual é coisa qual é ela
Que transforma em passado tudo o que está no presente
Como a lágrima que vem da tristeza
E a dor que vem da traição
Ela é a solução para o problema
E é problema sem solução
aDivinha...
...Desalinhado.
Passar um cartão numa grama de veneno
Inspirar inspiração e expirar o medo
Agarrar numa caneta sem tinta, sem vida
Esboçar palavras sem sentido ao longo de uma linha
Dizer que a vida é bela nesta tela cor de mel
Sentir cada palavra é fazer amor com o papel
Ou com uma parede branca que escorre o sangue de uma montana
com palavras de dor dessa mentira que me ama
porque a verdade está escondida nos erros do teu acto
E esses... Esses eu já nem os apago
Eu vinco-os com um X-acto
Faço um Picasso no meu braço
E vendo a alma ao diabo
Só para ter o teu abraço
E porque não?
Se a tua procura é a cura pra' saudade
Mesmo que não acredites que exista felicidade
Como um mentiroso compulsivo não acredita na verdade
Venda os olhos e corre em direcção ao abismo
Pois nesta terra de cegos em que ninguém sente o que diz
Quem tem um olho não é rei... É simplesmente infeliz.
.Desalinhado
Na minha Terra existe um Deus
Ele prega a católicos, muçulmanos ou ateus
É omnipresente embora exista fisicamente
a Sua vontade... é corromper a tua mente
É omnisciente, conhece e manipula todas as realidades
Por baixo da mesa podes assistir aos Seus milagres
Ele cega a vista das mentes mais crentes
Tem o poder de glorificar o mais comum dos transeuntes
Por Ele as massas abraçam o extremismo
Alimentam sonhos de ganância e consumismo
Abdicam da sua vida, pois a sua Fé é incondicional
Ele é Alpha e Omega no Mundo material
Por Ele o próprio Amor andou de mãos dadas com a Traição
Por Ele prenderam o inocente e libertaram o ladrão
Ele é a base da sociedade moderna, o alicerce do sistema
A crença que sustenta a fé dos mais racionais
Ele não comanda o reino dos céus mas os sistemas penais
E embora voe como o vento caminha entre o comum dos mortais
Ele reescreveu a bíblia a liberdade e a felicidade
Ele é Deus... mas foi criado pela Humanidade
Pode ser salvação e cura mas cheira a veneno e tem maldade
Quanto mais te aproximas Dele mais te afastas da humildade
Ele é a própria recompensa do teu suor e do teu sangue
Pode ser manipulado por ti mas não te deixes que te engane
A outra face da mesma moeda que fode o proletariado
Pois na verdade Ele não é Deus mas o próprio Diabo
"Desalinhado"